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  • Alexandre Biciati

Arnaldo Antunes e Vitor Araújo enchem BH de poesia e música em noite carregada de sensibilidade

Arnaldo Antunes e Vitor Araújo vieram ao Sesc Palladium, em Belo Horizonte, apresentar o show do disco “Lágrimas no Mar”, que saiu em dezembro de 2021. Diante do público que encheu, mas não lotou o teatro, o duo apresentou as músicas do recente trabalho, mas também do disco anterior, “O Real Resiste”, lançado em fevereiro de 2020. Ao longo da noite, Arnaldo intercalou no repertório interpretação de poemas e músicas de outros momentos da carreira, atendendo a toda e qualquer expectativa.


Arnaldo Antunes dispensa apresentações. Vitor Araújo tinha apenas 3 anos quando o cantor, compositor, escritor e poeta saía da bem sucedida banda Titãs – durante produção do “Titanomaquia”, em 1992 – para se lançar em carreira solo multimídia. Vitor, por sua vez, é músico recifense de formação erudita e ficou conhecido pelo talento precoce e experimentalismo transgressor ao piano. Aos 17 anos lançou seu primeiro trabalho, “Toc” (2008), onde interpretava de Gonzaguinha a Radiohead, tendo sido considerado artista revelação pela Associação Paulista dos Críticos de Arte. Hoje, aos 33 anos, tem no currículo aclamados concertos internacionais, participações com grandes nomes da música popular brasileira e quatro belos discos lançados.


O fruto da parceria entre Arnaldo e Vitor é denso e introspectivo. Por vezes o trabalho pode soar melancólico, mas no palco as emoções são muito bem equacionadas. Contando com um cenário simples constituído por grandes bandeiras de tecido e projeções minimalistas de silhuetas, texturas e caligrafias, o show aconteceu basicamente sob luzes fechadas no piano e no microfone.


Trajando sóbrios ternos escuros, a dupla rompeu os aplausos de boas-vindas com a intensidade de “Manhãs de Love”. A leitura do poema “A Boca Oca” e a música “João”, do disco “O Real Resiste”, em sequência, anunciaram o formato híbrido do show. A música-título “Lágrimas no Mar” trouxe sua calmaria romântica e, com ela, as primeiras manifestações individuais da plateia que se arriscou a elogios direcionados, ora à genialidade textual de Arnaldo Antunes, ora à qualidade do instrumentista Vitor Araújo.


Ao longo de toda a apresentação, Vitor provou que seu talento não é mero fundo musical para as obras de Arnaldo Antunes. Fazendo uso de um programador de looping em tempo real e usando as cordas e estrutura do instrumento para produção de sons percussivos, o músico parecia extrair todas as possibilidades do piano. Impressionou os presentes não só sua intimidade com o instrumento, como a sensibilidade com que toca cada nota. Tamanha interação e poética gestual explicita a costura performática que atravessa a produção dos músicos em palco. Enquanto Vítor namora o instrumento, Arnaldo gesticula, passeia pela penumbra, projeta a própria sombra, interage com o cenário e malabariza o pedestal.


Durante pouco mais de uma hora e meia de duração de show, Arnaldo Antunes conseguiu entregar o novo trabalho e pincelar a extensa carreira, indo de “O Pulso” (“Õ Blesq Blom”, 1989) a “Fora de Memória”, dos Tribalistas (2017). Não ficaram de fora a clássica “Socorro” (“Um Som”, 1998), “Vilarejo” (da parceira Marisa Monte), “Lua Vermelha” e “Contato Imediato” ( “Qualquer”, 2006) e “Meu Coração” (“Iê Iê Iê”, 2009).


Em ponto alto, Arnaldo recebeu no palco a artista visual e esposa Marcia Xavier para cantar em dueto e dançarem juntos “Umbigo”, singela composição feita para o filho de Tom Veloso, Benjamin e “Como 2 e 2” (Caetano Veloso), com performance notável de Vitor tensionando sonoridades. Marcia Xavier não deixou o palco sem antes agradecer de forma gentil mencionando que “é sempre muito bom cantar na cidade onde nascemos”.


A intensidade da palavra deu a tônica do show. Os poemas entoados ainda ecoavam rimas, provocações e concretismo quando as músicas começavam em sequência. Do disco novo ainda tocaram “Fim de Festa” e a faixa de abertura “Enquanto Passa Outro Verão”. Do álbum anterior apresentaram a faixa título e “Na Barriga do Vento”. O show terminou com o poema “O Corpo” recitado em consonância com outro clássico que viria a seguir: “Saia de Mim” (“Tudo ao Mesmo Tempo Agora”, 1991), do Titãs.


O pedido por bis foi unânime e a dupla voltou para encerrar o espetáculo com a bonita “Alta Noite”, faixa que Arnaldo lançou em seu disco multimidia de estreia solo, “Nome” (1993), e que Marisa Monte regravou posteriormente no clássico “Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão”, de 1994, fortalecendo uma amizade que havia começado no disco anterior, “Mais” (1991), e que daria como fruto o projeto colaborativo Tribalistas, em 2002, cujo disco de estreia iria vender 3.500 milhões de cópias.


O espetáculo proporcionado por Arnaldo Antunes na companhia de Vitor Araújo foi carregado de sensibilidade e marcado pela espontaneidade do público que tentou se comunicar com o poeta e corresponder à gratidão pela sua obra. Frente aos aplausos efusivos e gritos quase inconvenientes nos intervalos entre as músicas (incluindo manifestações de cunho político), Arnaldo demonstrou respeito e empatia. Ao final, foi agraciado por uma flor entregue à beira do palco e talvez esta seja a melhor síntese possível da troca estabelecida entre artistas e plateia que teve música e poesia como mediadores.

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