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  • Alexandre Biciati

Festival Sensacional! promove edição impecável em Belo Horizonte

Por Alexandre Biciati e Bruno Lisboa


Criado em 2010, o Sensacional! é um festival que vem, de forma gradual, se tornando um dos maiores do país. Ao longo de seus 12 anos de história, Belo Horizonte viu o evento, inicialmente de rua, crescer de maneira exponencial e migrar para lugares cada vez mais amplos. Em 2020, pouco antes da pandemia, o evento reuniu mais de 20 mil pessoas na esplanada do estádio Mineirão, tendo como atrações artistas do quilate de Emicida, BaianaSystem e Duda Beat.


Tradicionalmente, o Sensacional! tem como trunfo a curadoria que recheia o lineup com o suprassumo da música brasileira em seus mais variados gêneros. Esse ano não foi diferente, como provaram as qualificadas atrações desta edição. A escolha do local também não poderia ter sido melhor. O festival foi realizado num dos pontos turísticos mais belos da capital mineira: o Parque Ecológico da Pampulha, que tem como grande atrativo uma riquíssima área verde, que imprimiu um certo ar bucólico ao evento.


Importante mencionar que é a primeira vez que um evento desse porte acontece no espaço e o Sensacional! esbanjou organização nesta nona edição, sabendo aproveitar de maneira equilibrada e sensata as dependências do parque. As 15 mil pessoas presentes puderam circular de maneira tranquila entre os quatro palcos do evento, além de poder aproveitar as atrações itinerantes e instalações artísticas.


Com poucos atrasos em sua programação, o Sensacional! começou pontualmente ao meio-dia do sábado (2). No palco coreto, o envolvente trio francês Entrée Libre encerrava uma apresentação enérgica e comunicativa para um público que assistia muito à vontade sentado na grama enquanto o palco principal recebia a cantora Agnes Nunes. O público também chegou junto e marcou presença em grande número desde os primeiros shows do dia.


Nascida na Bahia e criada na Paraíba, Agnes trouxe o frescor de suas canções pop-românticas carregadas por um delicioso sotaque. Acompanhada de uma banda minimalista apenas com guitarra e teclado, a artista de 20 anos mostrou seu disco “Menina Mulher” (2022) na íntegra – e na ordem. Nem o peso de abrir a grade principal, nem a forte luz do sol que banhava o palco praticamente vazio, foram intimidadores para Agnes que dominou cada canto disponível com maturidade. Ela ainda estabeleceu uma ponte com um dos grandes nomes do festival ao colocar no repertório “Me Desculpa Jay Z”, de Baco Exu do Blues que faria uma apresentação apoteótica horas depois. O show terminou com os singles “Pode se Achegar” (2019) e “Não Quero”, o mais recente da cantora.


Na sequência, foi a vez da Francisco El Hombre colocar em prática o que sabe de melhor. Fazendo um show eletrizante, a banda responde por uma das melhores performances ao vivo da atualidade. Numa tarde de sol de inverno, o grupo soube manter o clima quente, com direito a rodas enormes abertas na plateia, graças a canções como “Arrasta” (em versão acelerada), “Chama Adrenalina”, “Calor da Rua” e “Pegando Fogo”. O hit “Triste, Louca ou Má” foi um dos pontos altos da apresentação que ainda teve uma nova canção, “Arranca a Cabeça do Rei”, que tem figurado no repertório e deve ser lançada como single em breve.


Liniker veio logo após e soube colher os louros de ter um senhor novo disco debaixo do braço: “Indigo Borboleta Anil” (2021). Apresentando-se sob uma muito bem-vinda luz dourada, a cantora destinou boa parte do set para as canções de seu mais recente trabalho e viu o público cantar em uníssono canções como “Clau”, “Antes de Tudo” e “Lili” executadas em sequência, tal como no álbum. A participação da convidada Tulipa Ruiz gerou catarse coletiva graças à performance impecável em duas canções de seu repertório: “Víbora” e “Proporcional“. O sucesso “Baby 95” veio no fim e colocou ponto final numa aula que conciliou performance e sensualidade – ela ainda voltaria ao palco do Sensacional! para participar do show de Letrux.


A Lamparina, jogando em casa, entregou uma apresentação memorável para o público mineiro. Conciliando com propriedade melodias dançantes e contemporâneas, a banda promove ao vivo uma miscelânea de ritmos que faz com que seja difícil ficar parado. Hits como a ótima “Pequim” e “Não Me Entrego Pros Caretas” provam o poderio do grupo e, como já é tradicional, o vocalista Cotô Delamarque desafiou a ordem e desceu para a pista promovendo a maior roda possível que culminou numa tremenda folia. Aliás, são momentos de espontaneidade e fuga aos padrões como este que garantem aos festivais a alcunha de inesquecíveis. No fim, a Biltre se juntou aos mineiros para executar “Nosso Amor Foi um GIF” e “Bagana”, duas boas e divertidas amostras de sucessos da banda carioca.


No palco ao lado foi a vez de Letícia Novaes, a Letrux, invadir o Sensacional!. A cantora se jogou de corpo e alma em uma apresentação visceral – características intrínsecas a artistas que não poupa esforços para entregar o máximo ao público. Escudada por uma excelente banda de apoio, a cantautora mesclou o repertório de seus dois elogiados discos solos (“Em Noite de Climão” e “Aos Prantos”, 2017 e 2020, respectivamente). A sequência matadora inicial composta por “Déja-vu Frenesi”, “Hypnotize” e “Me Espera” deu o tom festivo que perdurou por toda a apresentação.


Ao longo do show, além do próprio corpo, Letrux usou com muita criatividade diversos elementos performáticos: a capa que veste e ganha novas simbologias, um globo de espelhos, uma fita infinita que tira da própria boca e um leque vermelho nada discreto estampando com a foto do ex-presidente Lula, com o qual defendeu o calor e seu posicionamento político. A conterrânea Mahmundi estava escalada para participar da apresentação, mas em virtude de uma faringite não pôde comparecer sendo substituída por Liniker. Juntas elas tocaram a parceria feita em “Aos Prantos”: “Sente o Drama” causando surpresa e comoção nos presentes. Showzão!


Baco Exu do Blues foi a penúltima atração do dia e uma das mais esperadas. A entrada do artista foi um evento à parte. Ovacionado assim que surgiu no fundo do palco, bastou um “boa noite” ao microfone para que o festival viesse abaixo, sendo necessário mais alguns minutos para que os hormônios do público voltassem ao lugar e ele pudesse iniciar o show com “Sinto Tanta Raiva”.


Justificando todo o hype sobre sua persona, o músico baiano conciliou em sua apresentação engajamento político e grandes canções acompanhado pelas vozes embasbacantes das backing vocals Aísha, Mirella Costa e Alma Thomas. Com visual acachapante, durante quase toda apresentação o rapper prestou homenagem a ícones da cultura negra de ontem e de hoje, indo de Marielle Franco à Mussum, passando por Grande Otelo e Conceição Evaristo. Durante todo o show era ele quem provocava a plateia lembrando seu grande hit: bastava gritar “Facção carinhosa” para ouvir a resposta em alto e bom som.


O setlist foi uma aposta ousada, quase em sua totalidade, focado em seu disco mais recente (“QVVJFA”, 2022), mas tal escolha não incomodou o grande público que cantou junto cada verso de faixas como “20 Ligações” – que teve como introdução um mar de luzes de celular a pedido do cantor –, “Dois Amores”, “Mulheres Grandes” e “Inimigos” (com participação do rapper Shan Luango). “Hotel Caro” (parceira com Luisa Sonza), “Flamingos” (presente no disco “Bluesman”) e “Te Amo Disgraça” (dueto com a exuberante Aísha) foram os pontos altos de um show que figurará nas mentes e corações dos fãs por um bom tempo.


O show do Olodum fechou o festival que acontecia no dia da independência da Bahia. Com os tradicionais instrumentos percussivos decorados em vermelho, amarelo, verde (e LED!), o Olodum coloriu o palco com músicas cujas letras e coreografias são pra lá de conhecidas, promovendo um fechamento muito alto astral. A participação de Russo Passapusso em três canções do BaianaSystem (“Duas Cidades”, “Dia de Caça” e “Lucro”) só fez contribuir para a representatividade de gerações e sonoridades distintas que simbolizam a riqueza cultural da Bahia. Com Lucas e Lazinho revezando vocais, o Olodum presenteou quem esperou até o final com clássicos como “Rosa”, “Alegria Geral”, “Vem Meu Amor”, “Requebra” encerrando em grande estilo com “Várias Queixas”.


O tom político, marcante em grande parte dos eventos culturais Brasil afora, se fez presente durante todo o festival, seja em coros pró-Lula puxado ora pelo público, ora pelos artistas; seja pelas intervenções entre os shows da ativista indígena Célia Xakriabá, que não poupava críticas ao governo Bolsonaro e à gestão ambiental desastrosa (entre outras pastas) do governador de Minas Gerais, Romeu Zema.


Proporcionando um sábado repleto de felicidade, a edição 2022 do Sensacional! merece entrar para o seleto hall de bons exemplos a serem seguidos graças não só ao ótimo exercício de curadoria artística, mas pelo tratamento respeitoso com profissionais e público. O que vimos foi um evento que prezou pelo conforto, respeito à diversidade, acessibilidade, cuidado ambiental, segurança, sensatez, pontualidade e organização acima da média. Afinal, a classe artística e os profissionais da cultura, tão martirizados durante o atual governo, e o público frequentador de festivais desse porte não merecem menos que isso. Que em 2023 o Sensacional! continue… sensacional!


Texto originalmente publicado no site Scream & Yell.

Editor: Marcelo Costa

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